Na prática parlamentar não há direitos de propriedade intelectual sobre projetos de lei pelo que qualquer partido pode copiar o projeto doutro, com pequenas variantes, e mesmo assim votá-lo primeiro.

Aprendemos com Kenneth Arrow (Nobel da economia) que não há, nem nunca poderão ser inventados, processos de votação ideais, e que qualquer votação está sujeita à “arte da manipulação política” (William Riker).

Ensinamos, nas escolas de economia, que para haver investimento de qualquer natureza é necessário haver uma clara definição de direitos de propriedade.

Na prática parlamentar não há direitos de propriedade intelectual sobre os projetos de lei pelo que qualquer partido pode copiar o projeto doutro, eventualmente dar-lhe uma variante linguística e mesmo assim votá-lo primeiro.

A inexistência de direitos de propriedade e a capacidade de apropriação de trabalho alheio faz com que o investimento que os partidos fazem na elaboração de propostas é muito menor do que poderia e deveria ser.

Para agravar as coisas as organizações da sociedade civil que se dão ao trabalho de analisar dados e fazer propostas, em alguns casos muito detalhadas, não veem os grupos parlamentares darem-lhes a devida atenção e o devido escrutínio.

Nem todos, mas alguns dos problemas acima referidos, têm solução haja vontade política para os resolver.

1. A competição política, como a competição económica, têm claros benefícios sociais, é preciso é que seja justa. O modus operandi democrático é precisamente o da competição política pelo voto popular.

Não vem mal nenhum ao mundo, antes pelo contrário, que PEV e PAN compitam, que o mesmo suceda entre BE e PCP ou entre PSD e CDS, e que o PS rivalize nas propostas quer com os partidos à sua esquerda quer à sua direita.

O que acontece é que com o método de votação predominante na Assembleia da República na Comissão de Orçamento e Finanças — em que propostas idênticas ou muito semelhantes são votadas não por ordem de entrada, mas por ordem que os partidos as decidiram colocar no articulado da proposta de lei — a estrutura de incentivos está completamente subvertida.

O partido A dá-se ao trabalho de preparar a proposta X1 e coloca-a a seguir ao artigo 100 da proposta de lei do Orçamento onde acha que deve ser votada. O partido B que nem sequer tinha pensado no assunto, faz a proposta X2, quase idêntica e coloca-a a seguir ao artigo 95.

Com aquele método de votação o Partido B pode recolher os louros de um projeto de que não foi autor e que, no limite, pode até ter plagiado.

Adicionalmente, este método premeia quem apresenta as propostas mais tarde, atrasando o processo de apresentação de propostas e faz com que propostas quase idênticas sejam votadas em momentos diferente.

Situações como esta, com ou sem plágio, aconteceram inúmeras vezes em sede de votação na especialidade do Orçamento do Estado (e.g. Porta 65 jovem, plano de revitalização da ilha Terceira, fim do corte no subsídio de desemprego, etc.).

Um melhor método de votação consistiria em que as propostas muito semelhantes no objeto, fossem votadas sequencialmente por ordem de entrada. Obviamente que isso exigiria mais algum tempo para os serviços da Assembleia elaborarem o guião de votações e mais tempo para os grupos parlamentares os avaliarem.

Os tempos atuais são surreais! Os partidos tiveram até às 23h00 de sexta feira para apresentar propostas (mais de seiscentas). Os serviços enviaram o guião de votações para o primeiro dia na segunda-feira seguinte às 14h35 e na terça-feira às 15h iniciava-se a votação na especialidade.

É necessário mudar o método de votação, o cronograma de apreciação de propostas e a plataforma eletrónica de submissão de propostas se queremos melhorar a qualidade e a justiça da votação parlamentar.

2. Várias organizações de cidadãos ou de empresas pedem audiências para ser ouvidas em sede orçamental quer junto dos grupos parlamentares quer em Comissão de Orçamento e Finanças.

Presumo que muitas delas sairão da Assembleia com um sentimento de terem sido defraudadas. Não por as suas propostas não terem acolhimento, o que sempre poderá acontecer, mas por não lhes ser dada a devida atenção.

Na realidade neste e nos últimos dois anos, as audiências são feitas nos mesmos dias que as audições com os ministros setoriais.

A tarefa dos deputados e grupos parlamentares deveria ser fazer o escrutínio dessas propostas para ver se se trata de propostas que promovem interesses particulares à custa do interesse público, ou a par do interesse público. E neste último caso, elaborarem as suas propostas.

Tem sentido que no caso dos impostos sobre algumas bebidas açucaradas, sejam apenas algumas bebidas tributadas e não outras? Que haja apenas dois escalões (mais e menos de 80g), tratando da mesma forma uma bebida que tem 0g de açúcar e 79g por litro? Justifica-se que no imposto sobre o tabaco se onere os cigarros mais baratos e desonere relativamente os mais caros?

Faz sentido que a amortização de um Plano Poupança Reforma não seja tributada e que uma renda mensal associada à capitalização de um plano de pensões seja englobada nos rendimentos a uma taxa marginal elevada?

Há matérias suscitadas que têm todo o cabimento de ser apreciadas, mas para isso é necessário tempo. Mais uma vez o timing das audiências é absurdo.

Fazem-se audiências tardiamente e até ao dia em que se encerra o prazo de submissão de propostas pelos partidos ou deputados. Não admira que, neste contexto processual, poucos sejam os contributos da “sociedade civil” incorporados no Orçamento.

Haja razoabilidade e vontade política e a qualidade da democracia parlamentar poderia ser muito melhorada.

 

Publicado originalmente no Observador em 28.11.2017