O envelhecimento da população tem, no Reino Unido e noutros países, um efeito equivalente à introdução do sufrágio universal. Alterou os equilíbrios de poder e o sentido das decisões políticas.

1. Vai o Reino Unido sair da União Europeia?

Provavelmente sim, mas não é certo. Ignorar os resultados do referendo com tão elevada taxa de participação, seria um descrédito para a democracia, não porque a democracia direta seja mais válida do que a democracia representativa (esta permite a deliberação política ausente no referendo), mas porque é percebida como tal. Porém, há vários escolhos no caminho, que ainda poderão obstar a essa saída.

O processo legal é complexo (o artº 50 do Tratado de Lisboa remete para uma constituição, inexistente no Reino Unido, o que dificulta lidar com o caso escocês), é moroso (pode levar dois anos a partir do momento, incerto, em que é solicitado pelo Reino Unido), um outro primeiro-ministro pode optar por repetir o referendo face a uma eventual degradação da situação económica, a pressão dos interesses económicos negativamente afetados pela saída e do número significativo dos cidadãos a querer novo referendo (a petição para novo referendo já conta com mais de 3,5 milhões de britânicos).

Não seria a primeira, nem a segunda vez que na história da UE, se repetiriam referendos até que a resposta “correta” seja alcançada.

2. A existir, o Brexit poderá acentuar um conflito geracional?

Claro. Somamos a um foco de tensão já existente (as novas gerações terão, pela primeira vez na história contemporânea, um nível de vida inferior ao dos seus pais) outro novo (os mais velhos, que têm menos tempo de vida, decidiram neste referendo de forma diversa dos mais novos, que mais tempo de vida têm e mais serão afetados pelas consequências do Brexit).

O envelhecimento da população tem, no Reino Unido e noutros países, um efeito equivalente à introdução do sufrágio universal. Alterou os equilíbrios de poder e o sentido das decisões políticas.

3. Que perspetivas se abrem para a União Europeia?

A eventual saída do Reino Unido da União Europeia, na sequência do referendo, poderá ter uma de duas consequências: ou um retrocesso no processo de integração em direção a uma união económica alargada, mas com um núcleo duro mais pequeno do clube dos países do euro (bem mais restrito), algo que aliás já tem vindo a ser defendido; ou a um progresso na integração, mas acompanhada de democratização das instituições europeias, alteração na estrutura de governação da UE, e simplificação do seu funcionamento.

Claro que há sempre um terceiro cenário que é os líderes europeus não terem percebido nem o resultado do referendo nem o que se passa nos restantes países e fazerem apenas operações de cosmética, mantendo o essencial do funcionamento da UE. Esta perspetiva da manutenção de um certo pântano institucional, só levaria à derrocada final, a prazo, da União Europeia.

4. Qual deve ser a atitude dos europeus continentais relativamente aos britânicos: sanções ou integração suave numa zona de comércio livre?

Nem uma coisa nem outra. A saída do Reino Unido, só por si, trará decerto uma perca de bem-estar para os ingleses e não só não resolverá como provavelmente agravará os problemas com que se defrontam. Sanções adicionais seriam incompreensíveis. Mas isto não deve levar a pensar, como alguns advogam, que a UE deverá assegurar uma saída “suave”.

Na UE não há, nem deve haver, almoços grátis, nem para os que ficam (que abdicam de parte da sua soberania em troca de algum poder nas decisões globais que os afectam) nem para os que saem (que ganham em soberania o que deverão perder quer no poder de decisão coletivo quer na parcela dos ganhos comunitários resultantes da integração e cooperação económica).

5. A saída do Reino Unido é má para a Europa? E para os britânicos?

É cedo para saber. Depende do que acontecer nos próximos anos, e de qual a resposta que for dada à eventual saída. O Brexit criou uma crise de identidade no projeto europeu. Se o que acontecer for a saída, e um efeito dominó que leve à desintegração do projeto europeu, certamente que será má para a Europa.

Se o resultado for um reforço da cidadania europeia, uma maior legitimação democrática das instituições, uma desburocratização, e um avanço do princípio da subsidiariedade será bom. Para os britânicos tudo indica que contribuirá para o declínio económico, social e político.

6. O que funciona mal na Europa?

Muitas coisas. Uma moeda única com um orçamento irrisório comum é algo que só existe na área euro e não é sustentável. Um mecanismo de resolução bancária em que uns decidem (BCE) e outros pagam os custos (residentes nacionais) é um péssimo sistema de incentivos.

Um mecanismo de supervisão e monitorização orçamental complexo, uma enormidade de regras e uma constante interação entre instituições europeias e os governos nacionais (ou federais), viola o princípio de autonomia orçamental dos Estados membros, e interfere em demasia na legitimidade democrática das decisões políticas nacionais. Podem, e devem, existir algumas regras europeias, mas isso não implica grande interferência nas decisões nacionais, como hoje acontece.

Portugal deve reduzir o défice orçamental, mas deve ter a legitimidade de decidir como o quer fazer, sem ameaças de sanções.

7. Estarão os líderes europeus à altura dos desafios?

Confesso que tenho sérias reservas. A reunião preparatória de Merkel, Hollande e Renzi, para além de reforçar o método intergovernamental, agora em formato de aparente triunvirato, em oposição ao método comunitário, mostrou quem manda (Merkel que quer dar mais tempo a Londres e não Juncker que quer saída rápida).

Foi também uma reunião muito parca na definição de objetivos para o projeto europeu: defesa e segurança, economia e coesão social e emprego para os jovens, não são suficientes para refundar a Europa.

Para além de novas políticas o que a Europa precisa é de novas instituições, mas para isso é necessário mobilizar os agentes dessa mudança institucional.

 

Publicado originalmente no Observador a 28.06.2016