artigo publicado no Observador a 31.01.2022
A maioria absoluta do PS dará estabilidade política parlamentar. A verdadeira questão agora é a forma como o PS vai governar. António Costa disse, no seu discurso de vitória, que vai governar em diálogo com as restantes forças políticas, e em diálogo na concertação social e com o Presidente da República. Disse mais, que irá mudar a opinião dos portugueses sobre as maiorias absolutas e que sabe que muitos dos que votaram PS não são votantes tradicionais socialistas.
Na prática, como será governar com esta maioria absoluta?
O PS voltou a ganhar, e esta vitória é antes do mais mérito de António Costa. O PS beneficiou do voto útil advindo de PCP e BE e também de eleitorado potencial de PAN e Livre que quis evitar uma vitória do PSD.
As sondagens ao dar a sensação (irreal) de um taco a taco entre PS e PSD acabaram por beneficiar também o PS. A gestão da pandemia, bem como as políticas sociais e alguma reposição de rendimentos de funcionários públicos e pensionistas decerto que explicam muitos votos adicionais no PS.
Estas eleições foram talvez a maior transformação da representação política parlamentar em democracia. Elas deveram-se à entrada, pela primeira vez, de um partido liberal no espetro político português, bem como de um grupo parlamentar considerável de um partido de extrema direita. Penso que ambos estão para ficar. Os liberais pois têm o dinamismo e a criatividade da juventude. O Chega, pois “Deus, Pátria, Família e Trabalho”, bem como o alegado combate à corrupção ecoa no Portugal profundo. Tivemos também a quase extinção de um dos partidos fundadores da nossa democracia, o CDS, por grande demérito do seu líder. Finalmente, a saída de “Os Verdes” da Assembleia da República e a entrada de Rui Tavares, deixa-o como único representante da esquerda ecologista.
É perfeitamente claro que o povo português valoriza a estabilidade governativa e considerou, e bem, que PCP e BE foram os causadores desta crise política, ainda bastante mais do que em 2011 em que também se aliaram aos partidos de direita para derrubar o governo.
A narrativa que ambos desenvolveram que foi António Costa que provocou esta crise subestimou a inteligência do eleitorado de esquerda. Quando há partidos que votam contra um Orçamento, são esses partidos que chumbam o Orçamento. Penso que é fácil de entender. A bancada parlamentar do PCP perde dois dos seus melhores deputados: João Oliveira e António Filipe. O mesmo com o BE com a não eleição de José Manuel Pureza e outros bons e boas deputadas. Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e os respetivos partidos deveriam tirar as devidas ilações e responsabilidades políticas destes resultados.
O CDS sem nenhum deputado eleito, levou Francisco Rodrigues dos Santos a concluir aquilo que para muitos era óbvio, que não tinha condições para liderar o CDS. Depois de ter impedido que a sua liderança pudesse ser questionada antes destas eleições, colocou em causa o futuro do próprio partido. Não havia necessidade.
O PAN, teve um erro estratégico nesta campanha. Considero que a base eleitoral do PAN é do centro-esquerda apesar de o partido não se assumir oficialmente na dicotomia esquerda direita. Ao dizer em campanha que poderia coligar-se com PS e PSD perdeu certamente muitos votos, nomeadamente votos úteis que foram para o PS. Inês Sousa Real perdeu o grupo parlamentar, também porque o partido não se soube afirmar como verdadeiro partido ecologista.
Rui Rio fez uma boa campanha, mas o programa que apresentou a estas eleições foi bastante próximo nalguns pontos com o apresentado pelo PS como tive ocasião de mostrar aqui no Observador nomeadamente na parte económica.
A derrota do PSD não a atribuo a Rio nem à sua estratégia, mas quer à emergência de IL e Chega, não afetados pelo voto útil , quer ao trauma da austeridade imposto pela troika, que apesar de negociada e com largas responsabilidades do PS de Sócrates, foi implementada por PSD e CDS. António Costa tem condições de mostrar que maioria absoluta não deve ser a implementação de um poder absoluto. Para isso deve ponderar ousar fazer diferente de Cavaco Silva e de José Sócrates nas suas maiorias absolutas. Promover um diálogo com o principal partido de oposição, o PSD, para reformas que são inadiáveis para o país.
Convidar Rui Tavares para o governo, embora não necessite, para que saiba mostrar que o Livre pode ser a componente ecológica que falta a este governo. Não implementar a “lei da rolha” como fez Cavaco, mas assegurar a transparência e accountability das decisões políticas. Abrir a debate público a decisões políticas mais polémicas e controversas. Não aprovar leis na AR apenas porque o PS tem a maioria, mas porque sabe argumentar melhor na defesa das suas propostas. Não tentar interferir no poder judicial nem nos órgãos de informação para veicular a verdade do PS.
Sei que António Costa é capaz disto tudo, o que é bom. Mas também sei que há quem no PS não pense assim.