As alternativas de política entre o anterior governo PSD/CDS e o atual governo PS não está, sejamos claros, no compromisso em relação à consolidação orçamental (quer no défice quer na dívida).
1. Há matérias de interesse nacional que não devem ser postas em causa pelos atores políticos e há matérias que devem fazer parte da luta política. A política, nunca é demais reafirmá-lo, tem de ser cooperação e competição. Se não o for todos perderemos. Um tópico que considero dever ser afastado da luta política é o diagnóstico dos desequilíbrios macroeconómicos do país e, em particular, do peso da dívida pública no PIB, o qual, todos concordarão, colocam Portugal nos radares dos mercados financeiros. Os dados são conhecidos de todos. O peso da dívida pública (liquida de depósitos) tem vindo sempre a aumentar tendencialmente há mais de uma década e está a níveis preocupantes.
Dediquei um dos meus livros ao problema da evolução da dívida pública e não repetirei os argumentos aqui. Importa apenas referir que a situação atual resulta de uma combinação de más decisões políticas nas últimas décadas, de um fraco crescimento económico, em parte explicado por uma arquitetura deficiente da zona euro que urge ir corrigindo em parte pelo fraco crescimento da produtividade e competitividade.
Porém, os problemas não se reduzem à dívida pública. Os encargos líquidos com as parcerias público-privadas (PPPs) atingirão o seu máximo em 2016 e manterão níveis elevados nesta legislatura. Os resgates e as injeções de capital no sistema financeiro (cujo caso mais recente é o BANIF) são parte da responsabilidade desta dinâmica da dívida. Uma outra componente estrutural que tem contribuído para esta evolução é a situação de algumas empresas do sector empresarial do estado reclassificado (SEEr). Em 2015, cerca de um quinto do défice orçamental (contabilidade publica) é da responsabilidade do SEEr o que mostra a importância da evolução da situação financeira deste sector nos défices passados (e futuros), e logo na dívida pública.
Há e haverá decerto lugar para debate político quer sobre as causas do peso da dívida, quer sobre as suas possíveis soluções. Faz parte das nossas divergências e é salutar que assim seja. O que considero que deve ser o mais consensual possível é o diagnóstico da situação atual e a vulnerabilidade a que o país está sujeito dado o nível de endividamento público e a necessidade de nos financiarmos nos mercados externos.
Outro facto indiscutível é que a “almofada financeira” de que o país dispunha reduziu-se pela solução BANIF e que os depósitos do Tesouro não cobrem as necessidades (brutas) de financiamento do país em 2016. Daqui que, hoje como ontem, a estabilidade financeira do país depende da estabilidade dos mercados. Esta semana assistiu-se a uma subida dos juros da dívida em antecipação à decisão do eurogrupo e assiste-se já hoje a uma descida significativa após esta decisão ser conhecida. É do interesse nacional a estabilidade financeira do país e todos devemos estar cientes disso e evitar declarações alarmistas.
2. As alternativas de política entre o anterior governo PSD/CDS e o atual governo PS não está, sejamos claros, no compromisso em relação à consolidação orçamental (quer no défice quer na dívida). Este governo tem um claro objetivo de redução do défice orçamental e da dívida pública, como plasmado no OE2016 e de cumprir as regras europeus (embora a prazo deve almejar alterá-las). Esse objetivo, que se tornou mais ambicioso após negociação com a Comissão Europeia, seria muito menor caso a meta do défice de 2,7% do PIB tivesse sido alcançada em 2015. Nesse caso a redução do défice para 2,2% do PIB seria, em 2016, bastante mais reduzida. Mas como andará pelos 3% (sem BANIF) o esforço de consolidação orçamental será muito maior.
A alternativa de políticas, consubstanciadas neste OE do PS, é sobretudo a três níveis: a orientação de política económica, a estratégia de redução das desigualdades e de promoção da justiça social, e a requalificação do Estado.
Ao contrário da anterior legislatura, em que a política económica era orientada apenas para a procura externa, contraindo a procura interna, e em que se pretendia reduzir a dívida pública com inúmeras privatizações (cujo encaixe foi significativamente superior ao exigido no memorando com a troika), a estratégia iniciada neste OE é de redinamizar a procura interna – nomeadamente através da devolução e aumento dos rendimentos do trabalho – de requalificar o Estado e de acelerar a execução dos fundos estruturais bem como melhorar os custos de contexto das empresas (SIMPLEX) para promover o investimento.
Não é pelas privatizações que se resolverá o problema da dívida e este governo não pretende fazê-las, antes pelo contrário pretende ou revertê-las (caso da TAP) ou impedi-las como seria o caso, na presença de um governo PSD-CDS em que provavelmente o Estado perderia também a maioria do capital que agora detém (caso dos sistemas multimunicipais das águas “em alta”). Como referi anteriormente os instrumentos de política fiscal e contributiva utilizados são seletivos e promovem a justiça social, o que agora é reforçado com medidas adicionais e inovadoras de combate à evasão contributiva na segurança social.
Acabo como comecei. Em política, temos sempre de saber onde está o interesse nacional e onde está o campo natural da luta política e das alternativas democráticas.
P.S.: Não posso deixar de mencionar aqui uma “importante” notícia surgida em vários órgãos de comunicação nesta semana. A aparente contradição entre o ministro das Finanças e Paulo Trigo Pereira em torno do nível de fiscalidade, quando falámos de coisas distintas.
O jornal Público esclareceu devidamente a diferença entre falar sobre a carga tributária (receitas fiscais no PIB) que neste OE desce (-0,2% do PIB), como referiu Mário Centeno, e de falar de nível de fiscalidade (receitas fiscais mais contribuições sociais no PIB) que se mantém praticamente estável (variação de 0,1% do PIB) devido ao aumento das contribuições sociais, essenciais ali. Curiosamente também referi, sublinhei e reafirmei a descida das receitas fiscais no PIB, mas isso não “passou” na maioria dos media.
Publicado originalmente no Observador a 12.02.2016