Há profissões e cargos em que mulheres ou homens estão sub ou sobrerepresentados devido a preferências individuais distintas que nada têm a ver com as representações dominantes dos papéis de género.

Nesta semana o parlamento aprovou duas propostas de lei do governo para reforçar a paridade de ambos os sexos quer nos órgãos de poder político quer nos altos cargos dirigentes.

Estas propostas vêm já na sequência de outras alterações legislativas no mesmo sentido, quer do anterior governo PSD/CDS, no caso de Presidentes e vogais das Entidades Administrativas Independentes (Lei 67/2013), quer do actual governo, ao aplicar quotas no setor público empresarial, e em empresas cotadas em bolsa (Lei 62/2017) e ao estabelecer o limiar mínimo de 33,3%.

Como se percebe pela votação desta semana a questão da necessidade, ou não, de quotas para assegurar maior participação de mulheres nestes órgãos e cargos, não opõe a esquerda à direita. O PC é contra, o PS a favor, parte significativa do CDS é contra.

Duas questões essenciais neste debate são se a existência de quotas é necessária para promover o objetivo que se pretende alcançar, e se a resposta for afirmativa qual o montante desejável dessa quota mínima.

Promover a participação equilibrada de mulheres e homens não significa que se pretenda alcançar uma igualdade na representação (próxima dos 50%).

O que se deve pretender é eliminar a sub-representação das mulheres em órgãos de decisão políticos e altos cargos públicos derivada quer de desigualdades de facto nas oportunidades de acesso a esses cargos, quer da dominância de certos modelos tradicionais de representações e papéis sociais, que discriminam negativamente as mulheres, neste caso, em relação a cargos de direção superior ou a cargos políticos.

Quer em relação a cargos políticos, quer públicos, ou a outras funções na sociedade, promover a paridade, não significa necessariamente, tentar alcançar a igualdade (leia-se 50%) de representação em todas essa actividades (políticos, enfermeiros, oficinas de manutenção de automóveis, etc.).

Há profissões e cargos em que mulheres ou homens estão sub ou sobrerepresentados (relativamente ao seu peso na população) devido a eventuais preferências individuais distintas que nada têm a ver com representações dominantes dos papéis de género masculino e feminino.

Isto significa que o objetivo da promoção da igualdade de género não deve ser alcançar uma participação de aproximadamente 50% em todo o tipo de cargos, mas sim o de garantir níveis mínimos adequados de representação com flexibilidade para a revelação dessas preferências.

Assim, a existência de quotas traduz-se numa política de discriminação positiva, mas não deverá forçar a igualdade de representação.

Para além disso, parece-nos altamente problemática, em termos concretos, a subida da fasquia mínima de representação de género dos 33,3% (que como referimos já se aplica noutros casos) para os 40%.

A Tabela anterior mostra várias coisas. Que é impossível aplicar a regra dos 40% no caso de o órgão de direção ter 3 membros. Que no caso de ter 4 ou 5 membros, o efeito é idêntico nas regras de limiar mínimo de 33,3% ou 40%. Finalmente, que só a partir de seis membros o efeito das regras é diferenciado.

Como a maioria dos órgãos não tem mais de 5 membros, e como o objetivo da promoção da paridade não deve ser forçar a mesma representação parece-nos muito problemático a subida da fasquia para os 40%.

Sim, as quotas mínimas são necessárias de forma temporária pois na sociedade patriarcal em que vivemos são um instrumento útil para promover a igualdade de género, mas o seu nível excessivo pode ter efeitos perversos.

PS. Votei favoravelmente ambas as propostas de lei, porque foi votação na generalidade e concordo com o espírito subjacente a ambas, esperando que na especialidade sejam corrigidas várias normas que a meu ver são problemáticas.

 

Publicado originalmente no Observador em 22.04.2018