O problema orçamental que temos em mãos não é da última década, nem das duas últimas duas, vem em rigor desde 1974
Se Guerra Junqueiro estivesse entre nós, faria uma ode à perca de independência nacional ilustrada pelo poder das agências de rating que tão mau serviço prestaram na recente crise financeira, mas que agora influenciam os acordos políticos nacionais.
Porque é disso que efectivamente se trata.
Se formos incapazes de arrumar a nossa casa, alguém o fará por nós, passando-nos implicitamente um atestado de incompetência política e enviando a factura para pagar.
O problema orçamental que temos em mãos não é da última década, nem das duas últimas duas, vem em rigor desde Abril de 1974, ano a partir do qual Portugal registou sistematicamente défices orçamentais, não apenas em períodos de recessão, o que é normal e porventura desejável, mas em períodos de expansão.
Só por motivos externos (imposição do FMI, e Pacto de Estabilidade e Crescimento na adesão ao euro) foram realizados alguns ajustamentos.
Os motivos internos de uma democracia pouco madura têm levado à estratégia populista do costume: aumentar a despesa e não subir impostos, ou subi-los menos que o necessário para a financiar é algo que só pode dar votos com uma opinião pública pouco informada, como a nossa ainda é.
Assim, os défices têm feito crescer a dívida pública, e quando esta ameaçava tornar-se insustentável a receita foi privatizar e outras receitas extraordinárias.
Isto não seria possível numa democracia madura, onde os cidadãos e os políticos sabem que défices elevados, sobretudo com fraco crescimento económico, levam a uma dívida crescente, que só poderá ser paga ou com subida de impostos futuros ou com privatizações.
Se a economia crescer em termos nominais a 5% ao ano, um défice de 3% do PIB levará no longo prazo à dívida a convergir para os 60% do PIB. Mas se só crescer a 4%, o défice consistente com esse rácio da dívida será agora só de 2,4%.
Não são valores arbitrários, resultam da aritmética do défice e da dívida pública!
A manter-se um saldo orçamental de 8,1% (previsto para 2010), em 2013 teríamos ultrapassado um rácio de dívida no produto de 100% e estaríamos a pagar impostos em grande parte só para os juros da dívida.
Os mercados sabem da aritmética e as agências de rating também e por isso chegámos ao paradoxo de serem estas agências a influenciar a política nacional (1).
O PEC que está em cima da mesa é extremamente ambicioso. Tem um objectivo para a redução do saldo orçamental primário ajustado do ciclo de 7 pontos percentuais em 3 anos, algo nunca realizado com sucesso em Portugal.
Isto significa que não será fácil realizar esse ajustamento e só um acordo político alargado poderá tentar alcançar esse objectivo.
E a altura para negociar esse acordo é agora, com um Governo minoritário, com um novo líder no principal partido da oposição e com os contributos dos restantes partidos, à esquerda e à direita, que percebem a aritmética do défice e da dívida.
Como nos ensinou John Rawls, é nas alturas de incerteza, por detrás de um «véu da ignorância», que acordos mais justos poderão ser alcançados.
São as propostas incluídas no PEC as únicas possíveis para a consolidação orçamental?
Certamente que não, e há espaço para melhorias. Discutam-se, pois, as sugestões, com ideias inovadoras, mas também com conhecimento de causa sobre processos de consolidação de outros países que passaram por problemas semelhantes ao nosso.
E que cada um dê o seu contributo, e não defenda que os sacrifícios são bons… quando suportados pelos outros.
O que esperamos dos nossos políticos é que criem condições políticas e institucionais de credibilidade e sustentabilidade a um PEC que seja um instrumento da nossa independência orçamental, pois sem ele estaremos daqui a alguns anos a falar nas privatizações que inevitavelmente se seguirão, enquanto ainda houver algo a privatizar.
É um problema de aritmética…
Publicado originalmente no Público em 28.03.2010