Quais os cenários possíveis entre diminuição de receita e aumento de despesa em 2018? É melhor reduzir o défice mais rapidamente ou mais lentamente até 2021? Que impõe o quadro institucional europeu?

 

1. A subida de notação da dívida pública portuguesa foi um êxito notável e mostra que existe, neste momento, confiança crescente dos mercados em relação à evolução económica, orçamental e da dívida pública portuguesa.

Alguns diabolizam as agências de rating pelos fracassos que demonstraram no passado e a sua incapacidade em prever a crise.

É irrelevante e desnecessário ter sentimentos em relação a estas agências. O que interessa perceber é porque é que existem e que consequências têm as suas avaliações.

As agências existem porque existe uma falha de mercado. Os mercados não produzem informação suficientemente clara sobre as características de um agente (neste caso o Estado) para saber se os títulos que emite têm um risco associado muito elevado.

As agências existem para colmatar esse fracasso. Os investidores preferem ter essa informação, mesmo que imperfeita, a não ter nenhuma informação.

As consequências são conhecidas: há instituições que têm regras para adquirir esses ativos e tê-los no seu balanço.

Se um país soberano está classificado como “lixo” a procura por títulos da divida será menor e os juros pagos maior.

A consolidação orçamental em Portugal ajuda assim diretamente (pela redução das necessidades de financiamento) e indiretamente, pela melhoria do rating, a que uma parcela menor dos impostos dos portugueses saia do país sob a forma de pagamento de juros ao exterior. A saída do “lixo” por mais uma agência, não devendo levar a qualquer euforia, é claro motivo de satisfação.

2. Vários comentadores têm defendido que como o governo está a melhorar o saldo orçamental a austeridade continua.

Que chegámos ao fim da ideologia, ou ao fim da história como diria Fukuyama. Para eles, o que o actual governo está a fazer é o que PSD/CDS fariam, se estivessem no poder, com a diferença que PCP e Bloco deixaram de ser partidos de protesto.

Quem não consegue perceber a diferença é porque não quer ver a realidade. PSD/CDS acharam que conseguiriam resolver o problema da dívida com privatizações indo ao ponto de, com esse objetivo, privatizar alguns “fillet mignon” de empresas públicas (como os CTT) que são públicas até nos EUA.

O actual governo parou as privatizações. PSD/CDS queriam uma política orçamental restritiva muito rápida, com a devolução lenta da sobretaxa no IRS e da reposição muito gradual dos cortes salariais. O governo PS recusou a manutenção de uma política recessiva e moderou a redução do défice.

PSD/CDS cortaram (ultrapassando o limite da constitucionalidade) prestações sociais, salários e pensões e o actual governo repôs ambos. Sobre a austeridade do actual governo até (o insuspeito de simpatia pela “geringonça”) Subir Lall do FMI, olhando para o indicador do saldo estrutural primário (saldo expurgado de juros e do efeito do ciclo económico) considera, em entrevista ao Expresso, que esta não existiu em 2016 e 2017.

Em bom rigor já nem existiu em 2015, ano eleitoral, em que PSD/CDS abriram um pouco os cordões à bolsa (a frase é nossa). Esses comentadores não têm razão

3. As notícias dos últimos dias mostram que não existe nenhuma passividade nem das forças políticas (em particular BE e PCP), nem de inúmeros sindicatos, movimentos associativos em relação ao governo, mas antes pressões.

Vêm aliás de vários lados e com uma diversidade de objetivos, por parte de juízes, enfermeiros, reitores, empresários, etc. Nuns casos as reivindicações traduzem-se em aumentos de despesa, noutros em diminuição de receita (e.g. baixa de IRC), todas portanto agravando o défice orçamental.

É compreensível a insatisfação dos trabalhadores do sector público em relação à situação vivida de 2010 a 2015. Houve cortes salariais (só agora repostos sem atualização da inflação), diminuição de efetivos, congelamento de promoções e progressões na carreira.

Há dívidas crescentes no sector da saúde. Porém, pensar que é possível de uma vez descongelar as carreiras, fazer atualizações salariais e aumentar o emprego público, diminuir impostos, regularizar dívidas na saúde e reduzir o défice, é do domínio da alquimia que ainda não sabemos fazer. Há opções políticas a fazer.

4. Há duas coisas que o primeiro-ministro tem dito e que devem ser relembradas. Grande parte do sucesso da “geringonça” tem sido o facto de ter devolvido rendimentos com contas públicas em ordem.

É necessário continuar a consolidação das contas públicas (leia-se alcançar, mas não superar, os objetivos para o défice de 2917 e 2018).

A outra ideia essencial é que qualquer negociação não pode ser fechada sobre medidas isoladas, mas sobre o pacote global das medidas.

A responsabilidade do governo (PS) é maior, é dele a iniciativa do OE2018, mas a dos partidos que apoiam o governo (PCP, BE e Verdes), antes e depois da apresentação do OE, também é relevante. Alterações sugeridas devem ser neutras do ponto do objetivo para o défice.

Aos partidos de oposição (CDS e PSD) não se espera que apenas façam propostas de agravamento do défice pois isso significaria que não valorizam a consolidação orçamental.

5. Para não se cair num debate casuístico de medidas orçamentais que agravem o défice, a questão é saber o que é possível fazer com cenários alternativos de políticas, mas para isso são necessários estudos, e quantos mais melhor.

O FMI acaba de publicar um relatório, mas não responde diretamente à questão. O Conselho de Finanças Públicas fará em breve uma atualização das previsões macroeconómicas e orçamentais, mas assumindo políticas invariantes ou seja sem novas medidas discricionárias de política (ver aqui o de 2016).

Um estudo do Instituto de Políticas Públicas (*), pretende responder precisamente a algumas destas questões. Quais os cenários possíveis entre diminuição de receita e aumento de despesa em 2018?

É melhor reduzir o défice mais rapidamente ou mais lentamente até 2021? O quadro institucional europeu é adequado para uma estratégia orçamental bem sucedida?

É preciso manter o rumo da consolidação orçamental, mas há difíceis opções de política que importa discutir.

 

*O estudo “Estratégias orçamentais 2017-21: que opções de política?” (Policy Paper 10 IPP) de Ricardo Cabral, Paulo Trigo Pereira, Luis Teles Morais e Joana Vicente será apresentado e discutido no ISEG no dia 21, quinta-feira pelas 17horas (ver aqui).

 

Artigo originalmente publicado no Observador a 19.09.2017