As reformas do sistema político devem ser orientadas para a promoção da competição política, reforço da qualificação dos partidos políticos, maior abertura à participação dos cidadãos (na escolha dos seus representantes e em iniciativas legislativas), maior transparência no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos e luta contra a corrupção.
O sistema político deve ser mais justo, mais eficiente e mais participado.
Nesta temática, enunciam-se aqui uma lista de iniciativas que vão nesse sentido.
O reforço da transparência no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos é um ingrediente essencial para um reganhar de confiança dos cidadãos na política e na administração e em boa hora foi criada, sob proposta do PS, a Comissão Eventual da Transparência.
Este tópico foi dos mais desafiantes da última sessão legislativa e um dos em que talvez tenha havido menos avanços.
Na Comissão Eventual da Transparência procura-se uma melhoria do sistema político por via de uma nova Lei que congregue, e alargue o âmbito de aplicação, do Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos de Cargos Políticos e o Controlo Publico de Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, bem como se desenvolvam um Código de Conduta do Deputado e um diploma que regule a representação de interesses (o que inclui, mas não se resume ao lóbi).
Ainda que se tenham dado alguns avanços na terceira sessão legislativa, a verdade é que a mesma terminou apenas com votações indiciárias e sem que a discussão na especialidade do primeiro dos referidos diplomas tivesse sequer chegado ao fim, o que obrigou a um quarto alargamento do período de funcionamento da Comissão (agora até Março de 2019).
Apesar da complexidade técnica da discussão aqui em causa, e da larga abrangência dos diplomas envolvidos, só um empenho político sério permitirá chegar ao final desta 4.ª sessão legislativa com os vários diplomas discutidos e aprovados.
É importante alcançar um equilíbrio entre duas possibilidades ambas indesejáveis.
Por um lado, deve evitar-se um aumento da transparência e do reforço das incompatibilidades e impedimentos de tal ordem que muito poucos estariam dispostos a servir o interesse público disponibilizando-se para ocupar cargos políticos ou altos cargos públicos.
Por outro, seria indesejável uma incapacidade em se tomar decisões, quer no domínio da transparência e sua fiscalização quer no âmbito dos que estão sujeitos a obrigações declarativas, desta forma preservando o status quo.
A aprovação deste pacote legislativo e o seu sucesso dependem em muito da vontade dos deputados e das forças políticas representadas na Assembleia da República. O caminho para a aprovação só pode consistir nalguma forma de compromisso.
O Partido Socialista, no seu Programa Eleitoral, para as eleições legislativas de 2015 defendeu uma alteração do sistema eleitoral e adoção, em Portugal, de um sistema eleitoral misto conjugando círculos plurinominais de candidatura e apuramento e círculos uninominais de propositura algo que a Constituição da República hoje permite.
Os acordos com os partidos à esquerda excluíram este tópico de ser objeto de iniciativas legislativas nesta legislatura. Deste modo a única iniciativa relevante neste domínio partiu da sociedade civil sob a forma de uma petição.
A Associação Por uma Democracia de Qualidade lançou e defendeu publicamente [1] um manifesto cívico intitulado “Por Uma Democracia de Qualidade” [2], subscrito por um conjunto de personalidades de diversos sectores da vida política, económica e social do nosso país.
Este manifesto advoga a introdução, no plano da Assembleia da República, de um Sistema Eleitoral com círculos uninominais integrados num sistema misto de representação proporcional personalizada – algo que está dentro daquele que foi o espírito da revisão constitucional de 1997 e que nunca foi operacionalizado na prática.
Este manifesto foi complementado com uma petição [3], pela SEDES e pela Associação Por uma Democracia de Qualidade, que já conta com mais de 7000 assinaturas entregue na Assembleia da República.
É preciso clarificar que da implementação deste sistema eleitoral resultaria uma maior proporcionalidade dado que a dimensão média dos círculos (de apuramento) seria maior.
O ano de 2019, que culminará com as legislativas de Outubro, deverá ser aproveitado para um maior esclarecimento da importância da reforma do sistema eleitoral como ingrediente indispensável da reforma do sistema político e para ultrapassar os obstáculos que se colocam a essa reforma, bem como para possibilitar que possa estar no âmbito das iniciativas legislativas dos cidadãos propostas de projetos de lei que incidam sobre a reforma do sistema eleitoral.
A ideia, simples, é que se os partidos porventura não querem ter a iniciativa legislativa não há razões para que ela não possa ser dos cidadãos.
Como é público, sou há muito tempo favorável a uma alteração do sistema eleitoral no sentido da personalização dos mandatos [4], contudo entendo que a prioridade nesta sessão legislativa passa por desbloquear a democracia abrindo a Iniciativa Legislativa dos Cidadãos e iniciativas no âmbito do sistema político, e também pela criação de fóruns de discussão e debate do sistema eleitoral de modo a que na próxima legislatura existam as condições políticas e consensos necessários para que o tema seja, de forma consequente, levado à discussão na Assembleia da República.
[1] https://ionline.sapo.pt/artigo/623291/circulos-uninominais-problemas-solucoes?seccao=Opiniao_i.
[2] https://drive.google.com/file/d/0ByVkFx1IwlkbWXlFY1FHSDJLekk/view.
[3] https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania&fbclid=IwAR0AK0gmXrQVrmwZSyUfXRQryyIwoy0tc9j61KYhS6vJstqFQkBv4d5AwVY.
[4] https://observador.pt/opiniao/eleitores-condenados-a-votar-de-cruz/.
Os partidos políticos são um ingrediente essencial para o funcionamento da democracia. São instâncias de mediação que permitem configurar diferentes expressões da “vontade popular”.
Porém, desempenham muito mal esse desiderato constitucional, pois associados a estes não estão verdadeiras instituições que promovam quer estudos quer formação na respetiva área ideológica.
O financiamento público dos partidos políticos vai assim todo para atividades políticas de curto prazo, incluindo campanhas eleitorais, descurando a reflexão de médio e longo prazo.
Esse não é, contudo, o modelo das democracias mais avançadas na Europa, onde os principais partidos têm Think Tanks associados.
Na Alemanha, por exemplo, existem há mais de 60 anos fundações ligadas aos partidos políticos que tendo um estatuto de entidade de utilidade pública são dotadas de autonomia jurídica, financeira e organizativa face aos partidos que lhes são próximos, sendo o seu financiamento assegurado essencialmente pelo Estado por via de transferências do orçamento federal (que asseguram cerca de 90% do financiamento das despesas de funcionamento destas fundações).
Estas fundações têm duas componentes fundamentais de ação.
Por um lado, tiveram na sua origem a intenção, que se mantem atualmente, de promover e difundir a democracia, os valores democráticos e a ideologia do partido que lhes está próximo quer na Alemanha, mas principalmente no estrangeiro junto de “partidos-irmãos” e de Organizações Não-Governamentais, de modo a assegurar uma estruturação das democracias e dos sistemas político-partidários que evite a repetição de erros históricos do passado. [1]
Por outro lado, a principal componente de ação destas entidades é a componente de formação política que, visando assegurar uma consciencialização política dos cidadãos e incrementar a sua participação política, se concretiza por via da atribuição de bolsas de estudo ou de outros incentivos à investigação académica, à realização de cursos de formação e pela publicação de estudos e publicações.
Neste domínio importa começar por abrir o debate sobre a forma de replicar este modelo em Portugal sem que isso implique um aumento das subvenções hoje reconhecidas aos partidos políticos e de modo a assegurar um melhor aproveitamento dos recursos públicos consignados ao financiamento partidário.
Isto exige uma alteração cirúrgica, mas precisa, no modelo de financiamento partidário.
[1] Foram aliás estas fundações essenciais para o desenvolvimento dos principais partidos políticos portugueses no período pós 25 de Abril.
Assembleia da República: um sistema eleitoral proporcional e personalizado?
Em 7 de maio de 2019, realizou-se uma conferência parlamentar subordinada à temática da reforma eleitoral.
Esta iniciativa procurou debater as várias soluções possíveis para uma mudança profunda no sistema português, maioritariamente inalterado desde 1976.
Partilho alguns documentos relevantes à reflexão:
.: Enquadramento da Problemática | Paulo Trigo Pereira
.: Sistema de Representação Personalizada | Paulo Trigo Pereira
.: Eleger o Deputado e não só Escolher o Partido | José Ribeiro e Castro
.: The Mixed-Member Proportional System: the German Model and its Variants | Prof. Dr. Florian Grotz
.: A Reforma do Sistema Eleitoral da Assembleia da República – A Visão do PAN | Luís Humberto Teixeira
Sobre esta temática, ainda algumas leituras recomendadas da minha autoria ou co-autoria:
Boletins de voto, Fórmulas Eleitorais e Liberdade de Escolha: uma Análise
Comparativa de Sistemas Eleitorais
Ano: 2010
Publicação: Eleições e Sistemas Eleitorais no Século XX português: uma perspectiva histórica e comparativa
Autoria: Paulo Trigo Pereira e André Freire (coordenador)
Citizens’ freedom to choose representatives: Ballot struture, proportionality and «fragmented» parliaments
Ano: 2008
Publicação: Electoral Studies
Autoria: Paulo Trigo Pereira e João Andrade e Silva
A Reforma do Sistema Eleitoral e o papel da Sociedade Civil
Ano: 2018
Publicação: Sistema Eleitoral Português – Problemas e Soluções
Autoria: Paulo Trigo Pereira | Organização: Marina Costa Lobo